domingo, 17 de outubro de 2010

Sertanejo universitário conquista paulistanos

Estilo espalha-se por casas de shows e baladas na cidade. Festival com novos ídolos espera reunir 40 000 pessoas na Chácara do Jockey

Quando chega o segundo semestre, o paulistano já sabe: vem por aí uma enxurrada de shows com astros internacionais. Uma das explicações para esse fenômeno é a queda da temperatura no Hemisfério Norte, época em que o ritmo de apresentações diminui na Europa e nos Estados Unidos. Tal qual as aves migratórias, os gringos transferem suas turnês para esta parte do planeta. Até o fim do ano pintam por aqui o ex-beatle Paul McCartney, a estelar banda americana The Black Eyed Peas e o rapper Eminem. No meio dos nomões de fora, surge um estranho no ninho na programação. Em vez de rock, pop e eletrônico, um grande evento aposta em ídolos do sertanejo universitário para juntar 20000 pessoas por dia. No sábado (23) e no domingo (24), a Chácara do Jockey Club, no Butantã — que já recebeu atrações como o grupo Radiohead e o cantor Sting —, hospeda o Sertanejo Pop Festival. Orçado em 3 milhões de reais, o evento vai reunir dezesseis atrações, com ingressos que variam de 120 a 500 reais. “O sertanejo nunca saiu de evidência no interior, mas o público dos grandes centros andava alheio ao gênero”, diz Luiz Gustavo Alves Pereira, diretor de operações da produtora Mondo Entretenimento, uma das organizadoras da festa. “Aos poucos, foi voltando à moda e acabou ocupando a lacuna da axé music. É o som da balada com beijo na boca.”

Neto das modas de viola de tema caipira, cuja época dourada ocorreu entre os anos 1930 e 1950, o sertanejo universitário tem arrastado jovens a shows e casas noturnas, fazendo a alegria das gravadoras. A Som Livre, por exemplo, tem quinze desses artistas em seu portfólio e vendeu meio milhão de discos nos últimos doze meses. O ritmo atual quase não traz mais no DNA a herança caipira (ainda que influenciada pelo country e pela música romântica) dos antecessores, como Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano e Chitãozinho & Xororó. Tem um andamento mais acelerado, percussão incrementada e guitarras bem mais barulhentas. Ou seja: trilha sonora para pular e paquerar. Jovens da classe média alta, que chegam de carrão importado à noitada e gastam centenas de reais entre o ingresso e as bebidas, aprovaram. E o brega virou pop.

São expoentes desse estilo Victor & Leo, Fernando & Sorocaba e Jorge & Mateus. Raro artista em carreira-solo num universo famoso pelas duplas, Luan Santana tem no repertório um hit chamado ‘Meteoro’ — uma metáfora de sua ascensão. Aos 19 anos, o sul-mato-grossense faz 25 shows mensais. Já vendeu 120 000 DVDs e 180 000 CDs. Seu aparato é transportado por duas carretas e dois ônibus. Enquanto isso, ele segue de jatinho Brasil afora. Em dezembro, Luan anima um cruzeiro marítimo, coisa de artistas tarimbados como Roberto Carlos. Dois anos atrás, as cifras eram menos impressionantes. O músico saiu de Campo Grande, sua cidade natal, para tocar num palco secundário na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos. Investiu 3 000 reais na empreitada e distribuiu 3 000 CDs na ocasião. Em agosto deste ano, voltaria ao evento com um cachê de 300 000 reais. “A primeira coisa que passou na minha cabeça foi: ‘Como antes não conheciam as minhas músicas e, dois anos depois, 200 000 pessoas cantavam junto comigo?’ ”, diz Luan.

Compositor de ‘Meteoro’, Fernando Fakri de Assis, o Sorocaba da dupla Fernando & Sorocaba, atribui o estouro ao novo “papo” proposto pela turma. “O sertanejo teve fases: esta é mais urbana, jovem, traz mais gíria. E não deixa de ser uma porta de entrada para conhecer os antigos.” Paulistano criado na cidade que lhe rendeu o apelido, o músico faz com seu parceiro uma média de vinte a 25 shows por mês. “Nosso som está entrando até no Rio de Janeiro”, conta. “E olha que é difícil falar de carroça e charrete para o pessoal que vive na praia.”

Segundo os apreciadores, a pecha de cafona ficou no passado. Entre a crítica e o meio artístico, contudo, não há consenso. “Universitário ou não, esse tipo de música é muito brega, ultracomercial”, considera Lauro Lisboa Garcia, crítico e repórter especializado em música brasileira do jornal ‘O Estado de S. Paulo’. “Não vejo diferença entre o ‘breganejo’ de Leonardo, Daniel e Zezé Di Camargo & Luciano e esses novos. É o mesmo padrão de letras pobres, arranjos repetitivos, vozes estridentes e gemidos que doem no ouvido.” Autor do clássico ‘Romaria’, sucesso na voz de Elis Regina, o cantor e compositor Renato Teixeira discorda: “Para atingir o nível poético de um Vinicius, um Chico ou um Caymmi, falta estrada, mas vamos chegar lá. Uma geração aperfeiçoa a outra”. Chitãozinho, tido como professor pela moçada, reforça. “Lá atrás, sofremos preconceito, pois o pessoal da cidade grande não estava habituado a nossa música. Felizmente, conseguimos quebrar essa resistência”, afirma. “Os novos não escutaram o que a gente escutava e não têm a obrigação de falar dos assuntos caipiras.”

O sertanejo universitário tem se mostrado um ótimo negócio para as casas de shows. “Não chega a ser como o público de jazz e blues, que toma muito uísque e prosecco, mas a plateia consome mais do que a de rock”, calcula Elvis Patez, programador artístico do HSBC Brasil, local que abrigou quinze eventos do gênero, entre fechados e com venda de ingressos, em 2009 e 2010. A média de ocupação desse tipo de espetáculo ali ficou entre 80% e 100%. “No dia do Luan Santana, a fila se formou 24 horas antes”, lembra. “Quero inserir mais sertanejo universitário na programação de 2011”, afirma Sueli Almeida, diretora artística do Via Funchal, que, neste ano, sediou três espetáculos de Chitãozinho & Xororó — dois deles com os novatos.

Esse mesmo público que se amontoa em grandes shows também lota baladas do gênero durante toda a semana em São Paulo. Entre os bares que improvisam um palco para que duplas recriem sucessos sertanejos ouvidos no rádio, o Villa Country é referência no estilo caubói de badalar. Há oito anos ocupando uma área de 12 000 metros quadrados na Barra Funda, ele reúne cerca de 5 000 pessoas, em dias de lotação máxima, dispostas a pagar até 50 reais de entrada para bater as solas das botas — isso mesmo, lá o pessoal vai a caráter — pelos salões. “Com a nova geração de duplas sertanejas, não há mais restrições de idade ou classe social em nosso público”, afirma Marco Antonio Tobal Junior, um dos sócios da casa. Entre os frequentadores da nova safra está a estudante de direito Gabrielle Huese. Cansada de ir a baladas de música eletrônica, migrou para o estilo caipira. “Vou ao sertanejo pelo menos uma vez por semana”, conta a fã de Luan Santana. Nos últimos três meses, Gabrielle compareceu a quatro shows do cantor. Se as botas nos pés e a camisa xadrez são vistas por toda parte, o mesmo não se pode dizer dos chapéus de caubói, que cobrem apenas a cabeça dos dançarinos mais empolgados. É o caso do analista financeiro Felipe Marangoni, que levou a amiga Gabriella Fellazut para dar uns rodopios em um dos ambientes da balada. “Fiz umas aulas aqui no Villa para dançar direitinho”, confessa.

Um dos primeiros projetos do tipo a tomar espaço em bares nos quais se ouviam apenas outros ritmos, como o pop e o eletrônico, o Terçanejo faz o refrão chiclete das músicas ecoar no coração da Vila Olímpia há dois anos. A noite, criada pelas sócias Juliana Barbeiro e Vanessa Buck, ocorre todas as terças no bar Cortez e recebe um público jovem, composto basicamente de estudantes universitários. Sem nenhum sinal de passinhos coreografados, garotas e garotos se agrupam e cantam em estridentes notas as músicas apresentadas. “Nomes conhecidos já cantaram aqui, mas a maioria está em início de carreira e nos procura para conseguir espaço”, afirma a ex-relações-públicas Juliana. Estudantes de odontologia, as irmãs Isabela e Carolina Miarelli cantavam na pista, sem errar uma palavra, sucessos como ‘Ei, Psiu, Beijo Me Liga’, da dupla João Bosco & Vinícius, e ‘Tá Se Achando’, de Guilherme & Santiago. “Somos de Minas Gerais, gostamos de sertanejo desde pequenas”, diz Isabela.

A onda ganhou um dia especial no Cafe de la Musique, balada paulistana AAA. Com o nome de Sertanejo Chic, as noites de domingo reúnem playboys trajando camisa de grife e moças de vestido justíssimo. Começam a bombar com o início da apresentação da primeira dupla e têm seu auge durante a “guerra” entre os camarotes. Disputa de dança? Que nada. A briga é para ver quem compra mais garrafas de espumante. A Chandon Brut — campeã de consumo — custa 180 reais. Frequentador assíduo da balada dominical (embora também goste do Cafe aos sábados), o empresário Fauzi Najjar fecha sempre o mesmo camarote, na companhia de cinco amigos. O espaço custa entre 2 500 e 3 500 reais, para até dez pessoas, e dá direito a duas garrafas de destilado ou espumante. “É pouco. Nós pedimos muita bebida. Gasto, por domingo, de 2 000 a 3 000 reais”, conta o empresário. Segundo Kadu Paes, um dos sócios do Cafe, existia um preconceito quanto ao estilo musical. Por isso a criação do Sertanejo Chic aos domingos, dia em que a casa não abria. “O público é o mesmo que curte house nos outros dias da semana.” E vem mais por aí. Em novembro, o Wood’s Bar deve abrir sua primeira filial em São Paulo, na Vila Olímpia. A casa terá programação inteiramente dedicada ao sertanejo, seguindo o modelo das outras duas do mesmo grupo, situadas em Curitiba, no Paraná, e Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Além disso, o Villa Country promete uma nova balada. Até o fim do ano inaugura o Country Beer, no centro de São Caetano do Sul. A turma que gosta de bater bota não pode reclamar de falta de opção.

Fonte: Veja São Paulo

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